O Flagelo da Criatividade



A propósito da Web Summit 2018, e da celebração da cultura digital, da inovação e criatividade que lhe estão associadas, dei por mim a refletir sobre o mercado de trabalho nacional, o tecido empresarial, o empregador privado, assim como o próprio Estado. A forma como teriam (ou não) capacidade para integrar profissionais criativos, profissionais motivados, com gosto pelo seu trabalho, mas também pela arte de opinar, de sugerir, de fazer diferente, de pensar e executar fora da caixa. 
Quantos donos de micro, pequenas e médias empresas teriam a ousadia de contratar e manter nos seus quadros alguém que não se conforma? Que tem ideias divergentes, que sugere alternativas, algumas mais arriscadas outras, simplesmente, inovadoras? 

E quantas multinacionais, já agora, permitiriam que colaboradores (essa expressão tão falaciosa e cínica) participassem na vida da empresa e no processo produtivo de forma autónoma, com uma margem considerável de decisão?

É que o ser criativo não se coaduna, para muita gente, com a visão do ser produtivo. E é pena!

Vivemos numa sociedade em que a palavra “criativo” quase se banalizou. Para tudo temos que ser criativos, seja para funções em que se apela, de facto, a um lado mais criador, ousado, como é o caso dos trabalhos ligados às artes, publicidade, etc.; seja no mundo digital, em que de cabeças revolucionárias nascem start-ups que, de vez em quando, acabam até por influenciar as nossas vidas; seja ainda no trabalho quotidiano, nas relações profissionais, na repartição, na escola, no instituto, na empresa, em que a criatividade surge, à cabeça, como um predicado, uma qualidade. Mas na prática não o é. Não porque não tenha em si a alavanca para a mudança, crescimento e eficiência, mas porque o mercado não está preparado para pessoas criativas. Para pessoas que digam o que pensam, que não tenham problemas em mudar, em fazer diferença, em colocar em causa o modus operandi

O apelo à criatividade no mercado de trabalho surge como uma característica que fica bem colocar no anúncio de emprego, que parece pertinente exigir ao novo trabalhador, mas que não passa de um ardil. Para muitos empregadores a criatividade começa e acaba naquilo que lhes interessa: no exigir que o trabalhador seja criativo na hora de dar resposta a mil e uma solicitações simultâneas; na hora de realizar um estágio curricular (leia-se, fazer muito e depressa sem qualquer tipo de remuneração); no segurar o próprio posto de trabalho, estando para isso recetivo a tudo aquilo que a empresa lhe impuser, sem levantar ondas. Mas a isto não se chama criatividade! Há nomes próprios consoante a nossa necessidade de adjetivar a realidade que nos rodeia. E um criativo dificilmente se revela neste tipo de contextos. Não tem espaço para crescer. Nem a empresa ou instituição têm espaço para serem inovadoras e para acolherem pessoas com este perfil. E isto levar-nos-ia a outras dissertações sobre o mercado de trabalho português, sobre os empresários e gestores que temos, e o longo caminho a percorrer para que o trabalho em Portugal tenha o mesmo valor e reconhecimento que em outros países da União Europeia. Quem sabe num próximo post.

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