Uma longa estrada tingida em tons verdes. Placa de cor azul indica IC-19 Sintra, mas é o desvio a direita que leva ao Monsanto. O trajeto é curvilíneo. Fundem-se os sinais de trânsito com o encanto da natureza e as placas em loop “Área militar acesso proibido”. Está quase! Está mesmo quase! A expectativa é grande. Ao aproximar-se do que já foi um restaurante de elite dos anos 60, surge um misto de sensações. Curiosidade, espanto e tristeza. Ligeiro nervosismo e receio. Mas sobretudo encanto e fascinação.
“Res_au_an_e P____â_i_o de Mon_an__” – este foi o nome de um dos restaurantes mais luxuosos de Lisboa. Porém, hoje em dia, a placa chora pelas letras. O lugar está inundado em vidros, destroços, restos, lixo mas muita história. O edifício está destruído. A resistir desde 1968. Permanece no vazio de pertences mas saturado por pessoas curiosas. Sobrevive entre a nostalgia e alegria.
Os visitantes novatos vêm com o desejo de conhecer e explorar o espaço, captar e publicar fotografias. Os que já têm mais confiança, o lugar tornou se sagrado. Percorrer a estrada de acesso complexo. Mergulhar no mistério. Namorar num ambiente trágico romântico. Contemplar uma vista panorâmica e gratuita sobre a cidade de Lisboa. É magnífico! Porém, não é para qualquer um. É um hábito “luxuoso”! E ainda, há quem se destina com o propósito de deixar uma mensagem: “Fale menos, Faça mais”, “Take a walk outside your mind”, “Quero voltar para onde nunca estive”, “Take a walk on the wild side”. Autenticar a sua passagem. Ocupar o espaço. Conquistar as paredes mórbidas e partilhar a sua visão, cores, traços, sensações, pensamentos, frustrações, poesia… Arte. Sim, Arte. Arte Urbana. O restaurante, de alta sociedade, transformou-se numa Galeria de Arte Urbana.
O espaço está completamente banhado em street art e graffiti. Se não existissem traços de arte urbana, seria apenas um edifício abandonado e sem cor. Os artistas propõem outra aparência, outro tipo de excentricidade e interesse. Há um lado artístico poético que continua a persistir por aqui. A primeira obra de arte a coabitar o Panorâmico foi criada pela Manuela Madureira. Uma parede enorme de azulejos, onde as figuras dançam, uma fusão caleidoscópica entre as cores verde, azul-turquesa, magenta e amarelo. Apesar da óbvia devastação, a parede permanece intacta. Arte está em predomínio.
O restaurante foi redesenhado por artistas tanto portugueses como estrangeiros. Tornou-se numa galeria livre de regras ou conceitos. Não existe limite para a criatividade e ainda há espaços na fila de espera para serem preenchidos e contemplados. Numa galeria de arte urbana não há garantias! Difícil prever, se amanhã ou para a semana, uma obra poderá ser substituída por outra. Ou aparecer polícia e a criação terá que ser interrompida. Nestas condições correr riscos é quase inevitável. É adrenalina. O desejo de procurar espaços mortos e enchê-los de vida. Deixar a arte, a assinatura por toda a cidade, país ou mundo. Esta é a paixão e motivação de um street artist!

Float – Street Artist e Graphic Designer oriunda de Londres, mas a residir em Lisboa. Defende a sua arte não como uma mensagem, mas como uma pura experiência estética e visual. Concentra o seu trabalho em elementos limpos, em negrito com cores vivas. “Já aconteceu, mas não costumo ter uma inclinação política nos meus trabalhos” – salienta Float. Depois de oito anos a viajar em pesquisa. Em 2011 voltou para Londres e começou a dedicar mais tempo a arte urbana. Float inspira-se nos objetos quotidianos, arquitetura ou natureza, quer seja em cores ou formas. A conexão com o “Panorâmico de Monsanto” foi instantânea. Conheceu o espaço através de outros artistas e sem pensar duas vezes decidiu que este seria o lugar para a sua próxima obra. “Senti como se estivesse num playground gigante com a melhor vista de Lisboa. Simplesmente quis pintar. Foi perfeito!” Recorda, também, que foi um misto de sensações, surpresa, emoção e muitas questões… “Porque é que está abandonado? Como isso aconteceu? Há quanto tempo está abandonado? Porque é que não está a ser explorado, com tanto potencial…”
“Quero acreditar que a minha arte deu um pouco de vida e uma surpresa agradável para os visitantes, que não estão a espera de ver uma obra tão grande” — termina Float.
O nome “Panorâmico de Monsanto” não é estranho para ninguém, a sua história não é novidade e a vista que proporciona continua deslumbrante. A sua história pertence ao passado, mas todos os anos é relembrada e todos os anos se questiona o que irá à Câmara Municipal de Lisboa fazer em relação ao espaço. Continua uma incógnita. Incertezas. Dúvidas. Promessas não realizadas. Falta de dinheiro ou interesse.
Pang divide o seu lado artístico entre o estúdio e a rua. A maior parte dos seus trabalhos estão concentrados em Londres, onde nasceu. Com várias outras obras espalhadas por Paris, Viena, Palermo, Roma, Marrakech, Sevilha, Ibiza, Poznan e Lisboa. “Procuro explorar temas do comportamento social, condição humana e psicologia”, salienta Pang. Os seus trabalhos viajam entre uma narrativa terrível e humorística. Que expressa a sua natureza morbidamente curiosa. As questões em relação a luta constante ente a humanidade e o seu interior. Mudou-se para Lisboa em julho de 2016. E foi no mesmo ano que descobriu o “Panorâmico de Monsanto”. Lugar que lhe fascinou e trouxe inspiração. “Gosto de saber que posso deixar um pouco da minha arte por todo o lado. Sem regras e considerados estatutos artísticos. É a minha visão sobre o mundo e as pessoas. Uns podem gostar, outros não. Mas a arte urbana tem este lado perigosamente encantador. Prédio, fachada, porta, escada, rua, liberdade. Existe possibilidade de atingir, tocar e provocar muitas pessoas”.
Desde 1999, que o Krisprolls, viaja por toda a Europa com uma criação única. A mesma evoluiu e tornou-se num tag, assinatura. Chama-se Serial toaster. Uma imagem cómica e abstrata de uma torradeira. “O objetivo é atingir diversos espaços, cidades e por aí fora. Criar sequências, séries. Explorar lugares, viver as aventuras, conhecer outros artistas, partilhar. Por enquanto é isso. Depois logo se vê”. Lisboa foi mais uma cidade que recebeu de braços abertos o seu trabalho. Num espaço mágico e incomparável. “Lisboa é encantadora. Monsanto é fascinante. Portugueses são artistas muito talentosos. Em Portugal, no mundo de graffiti e street art, é predominante a visão política, crítica, provocativa e de certa forma patriota. Mais precisamente quando pintam frases ou caras dos poetas, o fado e a sua cultura”. Krisprolls é francês e não entra mais em detalhes.
A arte urbana insere-se na vida quotidiana. Contribui para a transformação do espaço público.
Artistas admiráveis. De poucas palavras e pormenores da sua vida pessoal. Se é para falar do seu trabalho, é dele que se fala. Preferem ficar em anonimato, pelo menos para a maioria.
Apaixonados pela arte. Com vontade de criar. Explorar. Partilhar. Com vontade de gritar com a tinta nas paredes.
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