O País entrou em alvoroço a 16 de outubro. Foi nesse dia que o governo português anunciou a previsão de, em 2019, reduzir o desemprego em Portugal para uns históricos 6%. Imediatamente, surgiu-me uma questão, que a maior parte dos órgãos de informação esqueceram-se de analisar: a que custo? Para explicar o meu pensamento, é preciso recuar a abril deste ano.
Depois de vários anos a trabalhar como colaborador no jornal "A Bola", em abril deste ano decidi procurar emprego como jornalista full-time. Em maio fui chamado para uma entrevista para um lugar numa revista digital. Gostaram de mim e quiseram ficar comigo. Supostamente, deveria começar em junho, mas por questões logísticas foram adiando a minha entrada, até me pedirem desculpa e explicarem que já não havia espaço para mais um. Ao mesmo tempo, descobria que tinha duas hérnias inguinais.
Depois de mais de um mês desde a resposta negativa da revista, em finais de junho, dois dias antes da cirurgia, o diretor que me havia entrevistado ligou-me. Um dos jornalistas havia saído e, portanto, tinham de contratar um novo. Expliquei que ia ser operado, mas que a primeira fase de recuperação seria curta. Como a pessoa em causa ia sair no final do mês e estavam a precisar urgentemente, até porque o diretor ia estar de férias duas semanas, eu tinha de entrar a 1 de julho - quatro dias depois da operação.
O meu primeiro erro começou aqui: como eu necessitava desesperadamente de um novo emprego, disse que sim, acreditando que, por uma questão de bom senso, iam entender as minhas fragilidades nos primeiros meses. Por outro, como não se preocuparam com a minha saúde e viam-me como um mero trabalhador (um número), não tiveram a decência de dizer: "não te preocupes, tu esperaste, nós também esperamos" ou, por outro lado, assumir a posição: "desculpa, assim não dá".
A operação correu bem. Passados três dias, já conseguia andar sem grande dores. Ao quarto lá fui trabalhar... com pontos! Pensava que teriam noção das minhas limitações. Nada disso: trabalha e começa já a fazer horas a mais.
Tinham-me dito que o horário laboral era das 9h às 18h, com a possibilidade de ter de ficar mais uma horita. Mas, nas duas primeiras semanas, muitas vezes saí às 19h30 e nunca à hora certa. Isto porque o editor "substituto" estava em Lisboa e estava com dificuldades em gerir tudo. Azar, pensei eu. Quando regressar o diretor, ele vai pôr tudo na linha. Sofri bastante, mas lá me aguentei. Sem apoio, apenas por telefone. O que, sejamos honestos, não é a mesma coisa.
Quando o diretor regressou, as horas extra não diminuíram. Cheguei a sair às 20h00 inclusive. Cansado, ainda em recuperação, tentava lutar para manter o meu rendimento, mas o chefe queria mais. Não só não entendia as minhas dificuldades naturais, como parecia exigir mais de mim do que dos outros: mais artigos, maior velocidade, maior rigor, etc.
Tentei várias vezes explicar que não estava a 100%. Mas, como ele é que tinha o poder de me mandar embora, dava sempre a volta à conversa e fazia-me sentir na obrigação de trabalhar ainda mais. Mais uma vez o bom senso falhou: a minha capacidade de argumentação estava limitada pelo facto de ele ser meu chefe e do meu receio de, estando a começar, criar uma má relação. Portanto, a palavra dele seria sempre a última.
Foram bastante vezes em que ele avisou que eu podia falar frontalmente. Mas sempre que o fazia, lá vinha a mesma contra-argumentação: "eu quando estava no teu lugar conseguia, logo tu também" - até hoje tenho dúvidas sobre a veracidade desse facto.
Eventualmente comecei a aumentar o meu ritmo, mas ao mesmo tempo a acumular cada vez mais cansaço, stress e ansiedade. Normal, claro. Estava a exigir demasiado de mim numa fase em que ainda estava muito debilitado.
Ao fim de três meses, não deu para mais. Cheguei a acordo com o diretor. Mais valia eu sair. O ambiente e as discussões já começavam a ficar pesados. Vim-me embora, fui substituído. No início, pensei que a culpa era minha. Talvez não, provavelmente não.
Soube recentemente que, pelos vistos, as dificuldades permaneceram com quem ocupou o meu cargo. À partida, a pessoa em questão não terá os problemas de saúde que eu tinha - isto, suponho eu. Agora imaginem o que será para quem está a recuperar de uma cirurgia.
Essa minha experiência fez-me perceber algo: apesar de ter havido aspetos muito bons na minha experiência e, fora essa questão em que colidíamos, até ter gostado do meu chefe, nunca passei de um número para ele. Porém, não sou um número, sou uma pessoa. A minha saúde é importante, não só para mim, mas também para ele. Para que eu possa render mais. Esquecendo a cirurgia, como eu e a minha substituta, há muitos. Assim, desta forma, com nós a assumirmos o lugar de escravos, não é difícil arranjar trabalho.
Depois de vários anos a trabalhar como colaborador no jornal "A Bola", em abril deste ano decidi procurar emprego como jornalista full-time. Em maio fui chamado para uma entrevista para um lugar numa revista digital. Gostaram de mim e quiseram ficar comigo. Supostamente, deveria começar em junho, mas por questões logísticas foram adiando a minha entrada, até me pedirem desculpa e explicarem que já não havia espaço para mais um. Ao mesmo tempo, descobria que tinha duas hérnias inguinais.
Depois de mais de um mês desde a resposta negativa da revista, em finais de junho, dois dias antes da cirurgia, o diretor que me havia entrevistado ligou-me. Um dos jornalistas havia saído e, portanto, tinham de contratar um novo. Expliquei que ia ser operado, mas que a primeira fase de recuperação seria curta. Como a pessoa em causa ia sair no final do mês e estavam a precisar urgentemente, até porque o diretor ia estar de férias duas semanas, eu tinha de entrar a 1 de julho - quatro dias depois da operação.
O meu primeiro erro começou aqui: como eu necessitava desesperadamente de um novo emprego, disse que sim, acreditando que, por uma questão de bom senso, iam entender as minhas fragilidades nos primeiros meses. Por outro, como não se preocuparam com a minha saúde e viam-me como um mero trabalhador (um número), não tiveram a decência de dizer: "não te preocupes, tu esperaste, nós também esperamos" ou, por outro lado, assumir a posição: "desculpa, assim não dá".
A operação correu bem. Passados três dias, já conseguia andar sem grande dores. Ao quarto lá fui trabalhar... com pontos! Pensava que teriam noção das minhas limitações. Nada disso: trabalha e começa já a fazer horas a mais.
Tinham-me dito que o horário laboral era das 9h às 18h, com a possibilidade de ter de ficar mais uma horita. Mas, nas duas primeiras semanas, muitas vezes saí às 19h30 e nunca à hora certa. Isto porque o editor "substituto" estava em Lisboa e estava com dificuldades em gerir tudo. Azar, pensei eu. Quando regressar o diretor, ele vai pôr tudo na linha. Sofri bastante, mas lá me aguentei. Sem apoio, apenas por telefone. O que, sejamos honestos, não é a mesma coisa.
Quando o diretor regressou, as horas extra não diminuíram. Cheguei a sair às 20h00 inclusive. Cansado, ainda em recuperação, tentava lutar para manter o meu rendimento, mas o chefe queria mais. Não só não entendia as minhas dificuldades naturais, como parecia exigir mais de mim do que dos outros: mais artigos, maior velocidade, maior rigor, etc.
Tentei várias vezes explicar que não estava a 100%. Mas, como ele é que tinha o poder de me mandar embora, dava sempre a volta à conversa e fazia-me sentir na obrigação de trabalhar ainda mais. Mais uma vez o bom senso falhou: a minha capacidade de argumentação estava limitada pelo facto de ele ser meu chefe e do meu receio de, estando a começar, criar uma má relação. Portanto, a palavra dele seria sempre a última.
Foram bastante vezes em que ele avisou que eu podia falar frontalmente. Mas sempre que o fazia, lá vinha a mesma contra-argumentação: "eu quando estava no teu lugar conseguia, logo tu também" - até hoje tenho dúvidas sobre a veracidade desse facto.
Eventualmente comecei a aumentar o meu ritmo, mas ao mesmo tempo a acumular cada vez mais cansaço, stress e ansiedade. Normal, claro. Estava a exigir demasiado de mim numa fase em que ainda estava muito debilitado.
Ao fim de três meses, não deu para mais. Cheguei a acordo com o diretor. Mais valia eu sair. O ambiente e as discussões já começavam a ficar pesados. Vim-me embora, fui substituído. No início, pensei que a culpa era minha. Talvez não, provavelmente não.
Soube recentemente que, pelos vistos, as dificuldades permaneceram com quem ocupou o meu cargo. À partida, a pessoa em questão não terá os problemas de saúde que eu tinha - isto, suponho eu. Agora imaginem o que será para quem está a recuperar de uma cirurgia.
Essa minha experiência fez-me perceber algo: apesar de ter havido aspetos muito bons na minha experiência e, fora essa questão em que colidíamos, até ter gostado do meu chefe, nunca passei de um número para ele. Porém, não sou um número, sou uma pessoa. A minha saúde é importante, não só para mim, mas também para ele. Para que eu possa render mais. Esquecendo a cirurgia, como eu e a minha substituta, há muitos. Assim, desta forma, com nós a assumirmos o lugar de escravos, não é difícil arranjar trabalho.
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